Desvio

No período de 2011 a 2019, o fotógrafo Douglas Garcia realizou o projeto fotográfico Desvio, que tomou corpo no formato de um livro editado pela Edições Membrana.

Desvio é um processo de captura de imagens da cidade intermediado por uma questão, suas respostas e réplicas (respostas a outras respostas). A questão foi lançada aos artistas para esta edição na forma de um convite a criar, sugerir ou apontar situações nas ruas de São Paulo. As réplicas foram feitas na forma de imagens esquadrinhadas dessas respostas. A tentativa de busca por desvios ou brechas encontrou-se entre as circunstâncias adversas, situações criadas e as bordas do quadro fotográfico.

A execução do projeto envolveu a observação das inescapáveis relações adversas e efêmeras que permeiam o contexto das ruas e sua concretude, ações propositivas inseridas nas ruas por artistas convidados e a aplicação da fotografia como programa ou modelo de captura de imagens, análogo ao de câmeras de vigilância, celulares ou satélites de escaneamento.

As capturas foram feitas a partir da ideia de ausência de um objeto principal e da divisão do quadro fotográfico em 9 partes, onde todas as partes que formam este grid têm a mesma importância, cada fragmento correspondendo a uma página individual da publicação.

Artistas convidados: Adriano Costa, Bruno Mendonça, Daniel Jablonski, Deyson Gilbert, Erica Ferrari, Fábio Morais, Flora Leite, Guilherme Peters, Gustavo Rezende, Marcius Galan, Rachel Pach e Tiago Santinho.

O lançamento do livro aconteceu na 23ª Feira Tijuana SP de Arte Impressa, Casa do Povo, São Paulo, SP, 3-4 de agosto, 2019.
Desvio
Douglas Garcia

︎︎︎livro
14 x 21 cm, 108 páginas
impresso em indigo 4 cores
edição de 90 exemplares

fotografias, Douglas Garcia
design gráfico, Marina Oruê
artistas convidados, Adriano Costa, Bruno Mendonça, Daniel Jablonski, Deyson Gilbert, Erica Ferrari, Fábio Morais, Flora Leite, Guilherme Peters, Gustavo Rezende, Marcius Galan, Rachel Pach e Tiago Santinho.

São Paulo, SP, Agosto de 2019
Edições Membrana






Uma breve descrição de algumas proposições (respostas)
Occupy Nowhere
Adriano Costa

Eu achei esse pano escrito DIREITO. Faz uns 10 anos. O guardei porque direito nunca foi muito direito por aqui. Hoje, menos. Ao menos, o Direito vermelho do pano, ainda se dá ao respeito de existir. No centro da cidade idiota ou idiotizada ou simplesmente menos truqueira porque berço da idiotice de direito sempre São Paulo o foi. Tava na cara. Ela tem direito. Quero o meu. Queira o teu.




Prolegômenos para um corpo ridículo de um imbecil enterrando o primeiro tomo do capital num cerrado infinito. meu corpo é pouco. advirá advirá...
Tiago Santinho

"Lingchi", ou "morte por mil cortes". Não sei exatamente por que me veio à cabeça essa forma chinesa de execução anterior à revolução...

Penso que a influência de Marx, ou melhor, do "Capital" não seja assim tão determinante nas insurgências: afinal era um livro ilegível sobre economia e o povo era mesmo desgraçado demais. Imagine ser picotado durante horas, e dizem que serviam um "elixir" que intensificava a dor e impedia que a vítima desmaiasse... esse mundo sempre foi treta demais...

Há a história de um monumento ao Marx e Engels em Berlim que não foi destruído após a queda do muro, pois algum coração nele pichou: "somos inocentes"... bom... nem estou tentando entender por quê enterrei o livro de Marx...




Trabalhadores da arte
Daniel Jablonski

Trabalhadores da arte é fruto de uma inquietação já antiga sobre as condições laborais na arte, que surge primeiro como um trocadilho em um caderno: o boleto sempre vence.

Ao vir à público no feriado do Dia do Trabalhador, na forma de uma ação entre amigos que remete a uma passeata esvaziada, a frase ganha outros contornos semânticos. Para aqueles que presenciam a ação na rua, sem qualquer indicação clara de seu propósito, ela pode aludir à aparente falta de propósito das jornadas de trabalho: trata-se de pagar contas que, invariavelmente, retornarão no mês seguinte. Já para o público que tem acesso ao registro fotográfico da ação, apresentada como "obra", ela alude a uma prática recorrente no meio da arte contemporânea: a desvinculação entre retorno simbólico e financeiro na contrapartida ao trabalho artístico.

É urgente perguntar-se pelo real lugar da arte na organização do mundo do trabalho. Pois a manutenção de certa visão romântica, segundo a qual realização pessoal e remuneração financeira são incompatíveis, situa hoje o artista na vanguarda de um capitalismo eminentemente simbólico, e cujo maior ativo é a criatividade. Além de garantir a perpetuação de um meio da arte excludente e elitista: reduzido àqueles poucos que, contando com fontes alternativas de renda, podem seguir adiante recebendo apenas aplausos. Incongruência expressa também pela tipografia utilizada na faixa: disponibilizada gratuitamente na internet pelo designer Frazer Price, ela tira seu nome e seus contornos irregulares de pichações feitas em caçambas de lixo encontradas na rua: Rubbish.

Mas o essencial de Trabalhadores da arte não está na faixa, nem na ação ou em seu registro, senão na própria frase. Repetir, uma e outra vez, "O boleto sempre vence" significa olhar para o que fazemos todos os dias em nossos escritórios, estúdios e ateliês de forma crua: isto é, como uma atividade historicamente reservada a um grupo de privilegiados, mas não como um privilegio em si, não como uma realidade contra a qual não valha a pena lutar. Assim como os boletos.




Fugitiva
Flora Leite

Fugitiva é um trabalho que parte da "Fonte Monumental", de Nicolina Vaz. Inaugurada em 1927 na Praça Vitória, hoje Praça Júlio Mesquita, é a primeira obra pública assinada por uma mulher na cidade de São Paulo. Seu motivo central é o encontro de Ulisses com as Sereias, uma passagem da Odisséia. Mas o que torna a fonte anedótica são suas lagostas de bronze, roubadas algumas vezes desde os anos 60. Hoje encontra-se inacessível, cercada por painéis de acrílico, e seus adornos originais foram substituídos por cópias em fibra de vidro. Em “Fugitiva”, o crustáceo é sobreposto à sua representação, invertendo a operação mimética. Montada sobre a fonte, em direção à rua, a lagosta tenta escapar do mesmo destino de suas colegas.




patrimônio=nóis
Erica Ferrari

A Ocupação é um monumento que não se manifesta como uma representação de algo (da origem, do futuro, da bravura do povo) mas a coisa em si. Seguindo o caminho histórico do reconhecimento de patrimônios nacionais, com a ampliação de seus parâmetros para a inclusão de bens de diferentes matrizes históricas, bens de ordem popular e bens imateriais construídos pelas práticas sociais e a partir da dinâmica da ideia de monumento através da preocupação com a esfera pública e política a Ocupação existe como um monumento absolutamente intrínseco: uma Ocupação-Monumento. Ele é feito no espaço coletivo pelas pessoas e suas atividades a partir de um desejo, iniciando-se no primeiro dia de entrada e sendo planejadas e modificadas constantemente, agenciando diferentes grupos sociais. É a construção plena de um símbolo identitário: patrimônio=nóis.





OU
Deyson Gilbert e Guilherme Peters

OU é uma construção de ruídos criados a partir das diversas cenas que constituem o Monumento do Ipiranga. Uma figura central ergue uma placa com um QR code que leva para um link com um vídeo. O trabalho se desdobra entre a intervenção no monumento e uma narrativa online e busca refletir sobre a crise de representação que vem se desdobrando na historia recente do país.













Ensaio gráfico de Marina Oruê para o projeto Desvio.

O lançamento do cartaz Desvio aconteceu na Feira Compasso 1a edição, Publicações de Arquitetura, Urbanismo e Design, IAB SP, Instituto de Arquitetos do Brasil São Paulo, 21 de setembro, 2019.
︎︎︎cartaz
51 x 72 cm
impresso em serigrafia azul neon
no papel sirio ultra black 240g
tiragem 30 exemplares numerados

arte, Marina Oruê
serigrafia, Caderno Listrado

São Paulo, SP, Setembro de 2019
Edições Membrana